Microscopia, computação e internet
Na primeira década do milênio, um rápido progresso transformou áreas inteiras de investigação científica, melhorando as ferramentas utilizadas para detecção e visualização das coisas pequeninas e grandiosas
A partir de relatórios semanais, editores e repórteres da revista Science escolheram algumas idéias (insights) que mudaram a ciência desde a aurora do novo milênio a este final de década. No período, novas formas de pesquisa, análise, armazenamento e disseminação de dados, informações e conhecimentos foram postas em prática. Pesquisadores passaram a gerar mais evidências, mais modelos e mais experimentos, construindo um mundo saturado de informação.
Ciclo evolutivo: a Ciência evolui os computadores que evoluem a Ciência...
A internet mudou o modo como a ciência se comunica, permitindo que os não-cientistas participem das investigações. Com isso passou a estar cada vez mais presente na rede mundial de computadores, tornando-se mais colaborativa e multidisciplinar. Os pesquisadores reconhecem que muitas mentes e conhecimentos variados são mais promissores ao lidar com questões complexas da vida sobre a Terra e o universo. Os maiores avanços científicos ocorreram com as ferramentas utilizadas para detecção e visualização.
Comportamento celular
Durante vários anos, o psiquiatra e neurocientista Karl Deisseroth tentara conhecer os diferentes circuitos cerebrais que afetam o comportamento, causando esquizofrenia e depressão. Entretanto, as ferramentas comerciais disponíveis – eletrodos inseridos no cérebro para estimular as células – não eram suficientes e seguras. Foi assim que, em 2004, Deisseroth e seus alunos inventaram um novo processo, introduzindo proteína de um gene de algas (ativado por raio laser) em cérebro de rato.
Com essa ferramenta, chamada Optogenetics, os pesquisadores puderam controlar a atividade de circuitos nervosos específicos com uma precisão de milissegundos e estudar os efeitos de estímulos internos e externos. Inicialmente destinada a entender a esquizofrenia e a depressão, a Optogenetics proporcionou uma lista interminável de aplicações, tais como a verificação dos efeitos da cocaína (destruição e recuperação celular) e a estimulação profunda do cérebro, capaz de aliviar os sintomas da doença de Parkinson, entre outras.
A tomografia crioeletrônica foi um dos avanços tecnológicos mais importantes, ao revelar à visão humana os componentes da célula, permitindo aos cientistas obter detalhes da sua organização em nível atômico. Por meio do computador, a técnica cria uma imagem tridimensional a partir de uma série de cortes bidimensionais.
No início da década, a microscopia confocal intravital de dois fótons revolucionou a imunologia. A observação dos gânglios linfáticos permitiu acompanhar, em tempo real, o comportamento de células imunes em tecido intacto. Este trabalho abriu as portas para a compreensão das interações entre células do sistema imunológico e o corpo e mudou o entendimento sobre imunoeficiência.
Graças às técnicas de microscopia, também houve grandes saltos no desenvolvimento da biologia. Agora, os pesquisadores já podem trabalhar com amostras vivas e contar com marcas fluorescentes mais duradouras no rastreamento de células específicas. Podem seguir o desenvolvimento de um órgão inteiro e registrar em filme como as células se dividem e se movimentam. Outras técnicas de microscopia são capazes de contornar o limite fundamental do olhar humano e focar as proteínas e a estrutura fina das menores células.
Perscrutar o sistema solar
O desenvolvimento científico alcançado nesta primeira década do terceiro milênio não se dirigiu apenas para o interior das células e do átomo; voltou-se também para o nosso sistema solar. Em Marte, por exemplo, os módulos Spirit e Opportunity marcaram um grande passo na pesquisa espacial, ao andar por quilômetros (ao invés de metros), carregando equipamentos de análise das propriedades físicas e químicas do solo marciano. Depois de suas observações, constatou-se que há água em Marte.
Pesquisa em solo marciano, mudou a história da água no planeta vermelho
Além desses, outros veículos com várias utilidades foram postos em ação: robôs que se movimentam sozinhos no fundo do mar e sob as plataformas de gelo à procura de petróleo (usado no Golfo do México e na Antártica); aviões por controle remoto (alguns do tamanho de aeromodelos, outros do tamanho de um caça militar), que se orientam pela luz solar e voam sobre furacões; veículos maritmos coletam dados e informações sobre as correntes oceânicas etc. São dispositivos de detecção móvel que, juntamente, com parceiros fixos em terra e no mar, monitoram o estado do planeta o tempo todo, tornando a ecologia e as ciências ambientais quase tão ricas em dados como são a física, a astronomia e a quântica.
A evolução dos computadores
Outro campo científico que se desenvolveu paralelamente foi o dos computadores (cada vez mais potentes e baratos), sem os quais não seria possível lidar com essa torrente de dados e informações. Quem se beneficiou bastante dessa evolução da informática foi a genômica. Há dez anos atrás, a sequenciação do genoma humano levava um ano, envolvendo centenas de pessoas e de máquinas e intermináveis horas de preparação da amostra para gerar os fragmentos de DNA a ser decifrado, um de cada vez.
Uma sequência isolada de DNA
Com o surgimento de supercomputadores voltados para esse trabalho, nos últimos cinco anos, os pesquisadores inauguraram uma nova geração de tecnologias de sequenciamento de DNA, de modo que, agora, já possível decifrar até três genomas humanos em pouco mais de uma semana. Esse sequenciamento está ficando tão barato, que os pesquisadores estão utilizando-o para estudar a expressão gênica e as interações do DNA, em uma escala sem precedentes, possibilitando rastrear as causas genéticas das doenças mais conhecidas e das doenças raras.
Em bioquímica, a tecnologia de computação também tem levado a grandes avanços na compreensão proteínas. Para ajudar com os cálculos necessários, os cientistas reforçaram seus hardwares com unidades de processamento 3D (como nos videogames). A química computacional ganhou assim um novo impulso, a partir de chips que permitem aos usuários desenvolver seu próprio hardware para otimizar suas simulações, aumentando drasticamente a velocidade dos cálculos, o que permite simulações na escala de tempo de milissegundos.
O poder das redes
O poder da computação transformou a maneira como os cientistas trabalham, não só em direção das menores partículas do átomo, mas também em direção das estrelas. O Sloan Digital Sky Survey (SDSS) está catalogando tudo o que pode ser visto em um quinto (1/5) do céu, usando um telescópio de 2,5 metros no Observatório de Apache Point, no Novo México. O laboratório europeu CERN foi ainda mais longe, e passou a lidar com os petabytes de dados que a Large Hadron Collider (LHC) vai gerar a cada ano, compartilhando as informações obtidas, e tornando possível que milhares de cientistas acessem esses dados e trabalhem juntos.
A procura de planetas parecidos com a Terra, em outras estrelas
O poder das redes também está sendo aproveitado por diversas organizações na busca de soluções, por meio do sistema crowd-sourcing, no qual um grande número de investigadores (mesmo os não-cientistas) pode contribuir para a resolução de problemas, definição de política ou prever o futuro. Os programas em rede também permitem que voluntários ao redor do mundo destinem um tempo ocioso de seus computadores pessoais para os cálculos complexos, para procurar cometas em imagens do satélite SOHO, ou para classificar dados do Sloan Digital Sky Survey sobre os tipos de galáxias existentes.
Para entender toda a interligação desses modos de informação, que viajam através de complexos sistemas, os teóricos estão gerando um novo campo de estudos: a ciência da rede, que os sociólogos já haviam observado e, nestes últimos dez anos, os físicos comprovaram com modelos matemáticos.
Agora, graças a esses conhecimentos e tecnologias, é possível medir os milhares de genes ou proteínas de uma só vez e monitorar e analisar seus movimentos. E possível mais: conhecer os hábitos de milhões de pessoas e suas preferências de voto e de consumo, desejos, sonhos, necessidades etc. As redes estão florescendo e uma série de novos conhecimentos impulsionam a humanidade. Mas essa história é da próxima década.
[Science, vol. 330 n. 6.011, 17/12/2010, pp. 1.612-1.613]
0 Comentário(s):
Postar um comentário