Memórias de uma época - IV

20101227

Ano (Marciano) do Sistema Solar

O Ano Marciano (de 23 meses) começou em outubro de 2010 e terminará em agosto de 2012 com grandes experiências espaciais históricas, especialmente relacionadas ao Sol e a seu sistema planetário

Para observadores não-científicos e cientistas, devido à grande quantidade de missões espaciais em execução em 2011, a NASA (USA) passou a considerá-lo como o Ano do Sistema Solar (The Year of the Solar System ou YSS, por sua sigla em inglês).


Segundo Jim Green, diretor de Ciência Planetária da NASA, em 2011,
[...] triplicar-se-á a quantidade de lançamentos, de sobrevôos e de inserções orbitais (...) algo sem precedentes na história da Era Espacial (...) Estes eventos se desenvolverão nos próximos 23 meses, que é a duração do ano do Planeta Vermelho (Marte). A história recordará o período que compreende o outubro de 2010 ao agosto de 2012, como uma era dourada para a exploração planetária (Jim Green, 07/10/2010).

O ano, marciano (é claro), começou com a visita da nave Deep Impact/EPOXI, da NASA, ao cometa Hartley 2, em 20 de outubro passado, aproveitando-se da sua aproximação da Terra (17,7 milhões de quilômetros), sobrevoando-o a 700 quilômetros de distância. Em 4 de novembro, a nave ingressou em sua atmosfera esverdeada, precipitando-se ao núcleo de gelo, para estudar sua superfície (composição, possibilidade de organismo vivo etc) e as erupções de gás.

Em novembro último ainda, os astrobiólogos da NASA lançaram o satélite O/OREOS para comprovar a durabilidade da vida no espaço. Este pequenino satélite (do tamanho de uma caixa de sapatos) expõe um conjunto de moléculas orgânicas e de micróbios à radiações solares e cósmicas. O foguete leva consigo também o primeiro protótipo (histórico) de uma vela solar, capaz de gerar energia, propiciando que o aparelho fique orbitando em torno da Terra por vários meses, sem combustível ou energia artificial.

No começo deste dezembro, dia 7, a nave espacial japonesa Akatsuki (Orbitador Climático Venusiano) chamou a atenção ao tentar entrar em órbita de Vênus e fracassar. Agora, nova tentativa só em 2016. A missão era para conhecer como o planeta mais parecido com a Terra, em tamanho e órbita, acabou daquele jeito: seco, desértico, cheio de vulcões, envolto em nuvens ácidas e com um aquecimento global ao extremo de derreter até chumbo.

As atividades do Ano (marciano) do Sistema Solar, em 2011, começam em 14 de fevereiro com outro encontro emocionante: a sonda espacial Messenger interceptará o cometa Tempel 1 (foto, ao lado), antes de entrar na órbita de Mercúrio (18 de março).

Enquanto isso, a sonda Dawn (Amanhecer) prepara-se para sua aproximação do asteróide Vesta (em maio), o segundo maior asteróide (quase planeta) – um mundo alienígena de fato e de direito, no Cinturão de Asteróides – que deve ocorrer em julho, quando entra e permanece por um ano em sua órbita, lá estudando suas características físicas que possam explicar a formação do Sistema Solar e por que não se tornou um planeta.

O Ano do Sistema Solar continua em agosto, com o lançamento da nave espacial Juno, em direção de Júpiter; em setembro, com o lançamento do laboratório de gravidade GRAIL (Gravity Recovery and Interior Laboratory) que vai elaborar um mapa do campo gravitacional da Lua; e em novembro, com o lançamento de outro laboratório móvel (foto, ao lado), o Curiosity (Curiosidade), para explorar e analisar vários pontos na superfície marciana.

O ano de 2012 começara com a primeira maratona marciana e o competidor “estrela” será o veículo de exploração Opportunity, um tenaz robô que agora se dirige, descendo para o coração da cratera Endeavour, uma bacia do tamanho de uma pequena cidade. Nessa maratona, vai percorrer cerca de 19,3 km, desde o local de pouso e primeiros movimentos, e não apenas os mil metros para os quais ele foi desenhado.

Em meados de 2012, Opportunity chegará à borda mais alta da bacia, permitindo vislumbrar as paisagens do coração de Marte como nenhum outro explorador jamais fez. Sem dúvida será uma quebra de recorde épica, que nenhum cientista ousou sonhar, no início da missão.

Enquanto isso, lá no meio do sistema solar, a sonda Dawn acende seus motores de íons e se prepara para deixar Vesta. Será a primeira vez que uma sonda em órbita de um mundo alienígena sai dali e se dirige a outro destino, no caso, o planeta-anão Ceres, completamente esférico, rico em gelo e abundante em água, ainda inexplorados.

O Ano do Sistema Solar terminará em agosto de 2012, quando a nave-laboratório Curiosity pousar em Marte. Impulsionado por energia nuclear, passeará sobre as areias vermelhas, analisando o ar em busca de metano (um possível sinal de vida), e as rochas e o subsolo, para encontrar moléculas orgânicas. Espera-se que a curiosidade de sensores avançados e a mobilidade sem precedentes iniciem um novo capítulo na exploração de Marte.


Pela rota de Vega, vai o Sol pela Via-Láctea

Muitas histórias, crenças, religiões e monumentos, em várias partes do mundo, desde a Antiguidade, inspiraram-se no Sol (solis, em latim), a estrela que nos leva em giros formidáveis pela rota da Via Láctea, cujo percurso dura de 225 a 250 milhões de anos (um ano galáctico), a uma velocidade média de 251 km/s. Atualmente, pela vigésima vez, o Sol atravessa a Nuvem Interestelar Local de gás de alta temperatura, no interior do Braço de Órion (situado entre os braços maiores Perseus e Sagitário), puxando o sistema solar na direção da estrela Vega (constelação de Lira), entre as constelações de Hércules e Cisne.

O Sol, em termos massivos, representa 99,86 % do nosso sistema planetário, possuindo 332.900 vezes mais massa do que a Terra e um volume 1.300.000 vezes maior.

Sua distância da Terra depende da época do ano, ficando entre 147, 1 milhões de quilômetros (no periélio, dezembro/janeiro) e 152,1 milhões de quilômetros, (afélio, junho/julho). Na maior parte do ano está a 149, 6 milhões de quilômetros (1 Unidade Astronômica – 1 UA). Em aproximadamente 8 minutos e 18 segundos a luz solar chega à Terra, sendo armazenada pelos organismos vivos em forma de energia (glicose por fotossíntese) processo que afeta, direta ou indiretamente, todos os seres vivos, além dos fenômenos meteorológicos e climáticos do planeta.

É uma esfera de gás (em sua maior parte ionizada) composta de hidrogênio (74% de sua massa, 92% de seu volume), hélio (24% da massa, 7% do volume) e outros elementos químicos como oxigênio perto de 1% da massa do Sol), carbono (0,3%), néon (0,2%), e ferro (0,2%). Atualmente, é estudado como tendo nove regiões: 1) núcleo; 2) zona radiativa; 3) zona de convecção, no interior; 4) superfície visível, (fotosfera); 5) cromosfera; 6) região externa (coroa); 7) mancha solar; 8) grânulos; 9) proeminência solar.
A temperatura aproximada, no núcleo, é de 15 milhões de graus Celsius, capaz de assegurar a fusão termonuclear de hidrogênio e a produção de hélio, responsável pelo aquecimento dos planetas mais próximos como Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Uma tremenda força gravitacional do centro da Via Láctea (distante cerca de 25 mil anos-luz) mantém essa temperatura sob altíssima pressão, expelindo energia em volta da zona de radiação. A energia, na seqüência, chega à zona de convecção, com a temperatura descendo a 2 milhões de graus Celsius, formando bolhas de plasma (uma verdadeira sopa de átomos ionizados) que se movem para fora.

A superfície visível mais profunda do Sol (fotosfera) possui uma espessura de 500 quilômetros, de onde a maior parte da luz solar escapa. Ali, a temperatura desce a aproximadamente 5.503 graus Celsius, mas começa a aumentar à medida que se forma a cromosfera, camada que possui cerca de 2.000 km de espessura. Nesta altura, a temperatura pode chegar a mais de 2 milhões graus Celsius, antes de se refrescar nos ventos solares que saem pela coroa, uma camada fina com cerca de 200 km de espessura, e permeiam todo o sistema planetário, compondo a heliosfera. Este vento sopra continuamente em direção ao exterior do sistema, até encontrar a heliopausa a mais 50 UA do Sol.

Manchas solares são regiões de intensa atividade magnética na coroa solar (foto, ao lado), onde a convecção é inibida por fortes campos magnéticos, que reduzem a saída de energia do interior do Sol, fazendo com que essas regiões possuam temperatura mais baixa do que ao redor, o que causa as gigantescas erupções solares e a ejeção de massa coronal com dezenas de quilômetros de diâmetro (foto abaixo). Os efeitos dessa atividade solar na Terra produzem auroras em médias e altas latitudes, a disrupção de comunicação de rádio e potência elétrica e a reestruturação da ionosfera terrestre.


[Para saber mais detalhes sobre o Sol, visite a Wikipédia (para começar).

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20101217

Microscopia, computação e internet

Na primeira década do milênio, um rápido progresso transformou áreas inteiras de investigação científica, melhorando as ferramentas utilizadas para detecção e visualização das coisas pequeninas e grandiosas

A partir de relatórios semanais, editores e repórteres da revista Science escolheram algumas idéias (insights) que mudaram a ciência desde a aurora do novo milênio a este final de década. No período, novas formas de pesquisa, análise, armazenamento e disseminação de dados, informações e conhecimentos foram postas em prática. Pesquisadores passaram a gerar mais evidências, mais modelos e mais experimentos, construindo um mundo saturado de informação.

Ciclo evolutivo: a Ciência evolui os computadores que evoluem a Ciência...

A internet mudou o modo como a ciência se comunica, permitindo que os não-cientistas participem das investigações. Com isso passou a estar cada vez mais presente na rede mundial de computadores, tornando-se mais colaborativa e multidisciplinar. Os pesquisadores reconhecem que muitas mentes e conhecimentos variados são mais promissores ao lidar com questões complexas da vida sobre a Terra e o universo. Os maiores avanços científicos ocorreram com as ferramentas utilizadas para detecção e visualização.

Comportamento celular
 

Durante vários anos, o psiquiatra e neurocientista Karl Deisseroth tentara conhecer os diferentes circuitos cerebrais que afetam o comportamento, causando esquizofrenia e depressão. Entretanto, as ferramentas comerciais disponíveis – eletrodos inseridos no cérebro para estimular as células – não eram suficientes e seguras. Foi assim que, em 2004, Deisseroth e seus alunos inventaram um novo processo, introduzindo proteína de um gene de algas (ativado por raio laser) em cérebro de rato.

Com essa ferramenta, chamada Optogenetics, os pesquisadores puderam controlar a atividade de circuitos nervosos específicos com uma precisão de milissegundos e estudar os efeitos de estímulos internos e externos. Inicialmente destinada a entender a esquizofrenia e a depressão, a Optogenetics proporcionou uma lista interminável de aplicações, tais como a verificação dos efeitos da cocaína (destruição e recuperação celular) e a estimulação profunda do cérebro, capaz de aliviar os sintomas da doença de Parkinson, entre outras.

A tomografia crioeletrônica foi um dos avanços tecnológicos mais importantes, ao revelar à visão humana os componentes da célula, permitindo aos cientistas obter detalhes da sua organização em nível atômico. Por meio do computador, a técnica cria uma imagem tridimensional a partir de uma série de cortes bidimensionais.

No início da década, a microscopia confocal intravital de dois fótons revolucionou a imunologia. A observação dos gânglios linfáticos permitiu acompanhar, em tempo real, o comportamento de células imunes em tecido intacto. Este trabalho abriu as portas para a compreensão das interações entre células do sistema imunológico e o corpo e mudou o entendimento sobre imunoeficiência.

Graças às técnicas de microscopia, também houve grandes saltos no desenvolvimento da biologia. Agora, os pesquisadores já podem trabalhar com amostras vivas e contar com marcas fluorescentes mais duradouras no rastreamento de células específicas. Podem seguir o desenvolvimento de um órgão inteiro e registrar em filme como as células se dividem e se movimentam. Outras técnicas de microscopia são capazes de contornar o limite fundamental do olhar humano e focar as proteínas e a estrutura fina das menores células.

Perscrutar o sistema solar

O desenvolvimento científico alcançado nesta primeira década do terceiro milênio não se dirigiu apenas para o interior das células e do átomo; voltou-se também para o nosso sistema solar. Em Marte, por exemplo, os módulos Spirit e Opportunity marcaram um grande passo na pesquisa espacial, ao andar por quilômetros (ao invés de metros), carregando equipamentos de análise das propriedades físicas e químicas do solo marciano. Depois de suas observações, constatou-se que há água em Marte.

Pesquisa em solo marciano, mudou a história da água no planeta vermelho

Além desses, outros veículos com várias utilidades foram postos em ação: robôs que se movimentam sozinhos no fundo do mar e sob as plataformas de gelo à procura de petróleo (usado no Golfo do México e na Antártica); aviões por controle remoto (alguns do tamanho de aeromodelos, outros do tamanho de um caça militar), que se orientam pela luz solar e voam sobre furacões; veículos maritmos coletam dados e informações sobre as correntes oceânicas etc. São dispositivos de detecção móvel que, juntamente, com parceiros fixos em terra e no mar, monitoram o estado do planeta o tempo todo, tornando a ecologia e as ciências ambientais quase tão ricas em dados como são a física, a astronomia e a quântica.

A evolução dos computadores

Outro campo científico que se desenvolveu paralelamente foi o dos computadores (cada vez mais potentes e baratos), sem os quais não seria possível lidar com essa torrente de dados e informações. Quem se beneficiou bastante dessa evolução da informática foi a genômica. Há dez anos atrás, a sequenciação do genoma humano levava um ano, envolvendo centenas de pessoas e de máquinas e intermináveis horas de preparação da amostra para gerar os fragmentos de DNA a ser decifrado, um de cada vez.

Uma sequência isolada de DNA

Com o surgimento de supercomputadores voltados para esse trabalho, nos últimos cinco anos, os pesquisadores inauguraram uma nova geração de tecnologias de sequenciamento de DNA, de modo que, agora, já possível decifrar até três genomas humanos em pouco mais de uma semana. Esse sequenciamento está ficando tão barato, que os pesquisadores estão utilizando-o para estudar a expressão gênica e as interações do DNA, em uma escala sem precedentes, possibilitando rastrear as causas genéticas das doenças mais conhecidas e das doenças raras.

Em bioquímica, a tecnologia de computação também tem levado a grandes avanços na compreensão proteínas. Para ajudar com os cálculos necessários, os cientistas reforçaram seus hardwares com unidades de processamento 3D (como nos videogames). A química computacional ganhou assim um novo impulso, a partir de chips que permitem aos usuários desenvolver seu próprio hardware para otimizar suas simulações, aumentando drasticamente a velocidade dos cálculos, o que permite simulações na escala de tempo de milissegundos.

O poder das redes

O poder da computação transformou a maneira como os cientistas trabalham, não só em direção das menores partículas do átomo, mas também em direção das estrelas. O Sloan Digital Sky Survey (SDSS) está catalogando tudo o que pode ser visto em um quinto (1/5) do céu, usando um telescópio de 2,5 metros no Observatório de Apache Point, no Novo México. O laboratório europeu CERN foi ainda mais longe, e passou a lidar com os petabytes de dados que a Large Hadron Collider (LHC) vai gerar a cada ano, compartilhando as informações obtidas, e tornando possível que milhares de cientistas acessem esses dados e trabalhem juntos.

A procura de planetas parecidos com a Terra, em outras estrelas

O poder das redes também está sendo aproveitado por diversas organizações na busca de soluções, por meio do sistema crowd-sourcing, no qual um grande número de investigadores (mesmo os não-cientistas) pode contribuir para a resolução de problemas, definição de política ou prever o futuro. Os programas em rede também permitem que voluntários ao redor do mundo destinem um tempo ocioso de seus computadores pessoais para os cálculos complexos, para procurar cometas em imagens do satélite SOHO, ou para classificar dados do Sloan Digital Sky Survey sobre os tipos de galáxias existentes.

Para entender toda a interligação desses modos de informação, que viajam através de complexos sistemas, os teóricos estão gerando um novo campo de estudos: a ciência da rede, que os sociólogos já haviam observado e, nestes últimos dez anos, os físicos comprovaram com modelos matemáticos.

Agora, graças a esses conhecimentos e tecnologias, é possível medir os milhares de genes ou proteínas de uma só vez e monitorar e analisar seus movimentos. E possível mais: conhecer os hábitos de milhões de pessoas e suas preferências de voto e de consumo, desejos, sonhos, necessidades etc. As redes estão florescendo e uma série de novos conhecimentos impulsionam a humanidade. Mas essa história é da próxima década.

[Science, vol. 330 n. 6.011, 17/12/2010, pp. 1.612-1.613]

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Estatísticas mundiais

Estas estatísticas são aproximações baseadas em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), CIA Factbooks e US Census Bureau, entre outras instituições que fazem levantamentos sobre os diversos itens mostrados. Devido à dinâmica das datas é possível que alguns dados se apresentem contraditórios e não se atinja a acurácia pretendida. Por isso é bom comparar os dados e as informações com outras fontes. O Relógio Mundial e a Calculadora são criações de Poodwaddle.

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